quinta-feira, 1 de maio de 2014

NEUROSES ECLESIÁSTICAS E O EVANGELHO PARA CRENTES - UMA SÍNTESE



Participando de um grupo de estudos no início deste ano, coordenado por Ageu Heringer Lisboa, psicólogo e membro do Corpo de Psicólogos e Psiquiatras Cristãos (CPPC), fui apresentado à obra "Neuroses Eclesiásticas e o Evangelho para Crentes" de Karl Kepler. 

Admito que poucas vezes uma leitura foi tão significativa para mim, em termos de reorientação a respeito de meu relacionamento particular com Deus e dos motivos para trabalhar como parte da Igreja de Cristo. 

A leitura, ao mesmo tempo breve e de simples entendimento, mas também rica para reflexão e profunda em seu significado, levou à produção dessa síntese, que foi compartilhada em nosso grupo de estudos, e agora também neste blog.

Recomendo a leitura à todos os cristãos que desejam servir e viver o evangelho sem "amarras", para aqueles que procuram compreender o sentido de fazer parte do Corpo de Cristo e trabalhar por ele. Encorajo também aqueles que se afastaram da comunhão do "Corpo" por terem adoecido ou sido feridos. Acredite, a Igreja está viva! Ainda há cura, descanso e vida para aqueles que procuram. Você pode encontrar apoio, felicidade e amor pois ainda existem pessoas que, mesmo sujeitos às falhas humanas, procuram refletir o caráter de Deus e a mensagem deixada por Jesus. O meu desejo é que todos possam meditar e se beneficiar das reflexões presentes nesse trabalho, levando-as consigo para sua vivência diária, no relacionamento com Deus e com o próximo, como Igreja de Cristo e filhos amados por Deus Pai.


NEUROSES ECLESIÁSTICAS E O EVANGELHO PARA CRENTES

Na primeira parte da obra, o autor destaca o importante papel da igreja para a mudança positiva na vida de milhares de pessoas. Contudo, apesar desse sucesso, o que se observa atualmente é um preocupante adoecimento que parece acompanhar o mesmo ritmo do mal-estar na sociedade e que se origina a partir do adoecimento de cada cristão, refletindo em sua conduta como participante da igreja de Cristo.

Apesar do grande número de pessoas participando de cultos e reuniões, essa multidão aparenta não estar em real estado de comunhão, integração e saúde espiritual.

Um dos sinais de que as coisas não vão bem é o fato de que há um grande número de crentes internados em hospitais psiquiátricos (ou a igreja está enlouquecendo pessoas ou pessoas que estão enlouquecendo procuram a igreja, mas sem conseguir nela a ajuda adequada).

Outros indícios do mal-estar estão, na frustração que muitos encontram na igreja por não receberem as bênçãos prometidas (ou por não encontrarem uma “segurança de salvação” entre as igrejas que procuram), e na desconfiança na ciência (provavelmente por conta da dificuldade em suportar a confrontação, a crítica e a autocrítica). 

Por fim, a pasteurização (o altíssimo choque-térmico que torna estéril, sem brilho, sem vida) demonstrada, seja na maneira de se relacionar socialmente ou mesmo na forma de desempenhar uma função na igreja, serve como um sinal que aponta para o fato de que a igreja está doente.

Diante disso, faz-se necessário investigar que elementos há na igreja que a tem tornado um ambiente patologizante. 

Primeiramente, o sentimento despertado pelo ambiente eclesiástico (destacando Deus como um ser distante para a maioria dos mortais, e acessível apenas para a liderança) leva ao envolvimento de poucos e ao afastamento de muitos. Além disso, o formato das pregações – garantindo acolhimento e descanso para os que estão chegando, mas exigindo esforço e trabalho dos que já fazem parte da igreja – tem levado muitos à insatisfação.

O momento de louvor e adoração também pode colaborar para o surgimento da mesmice e da decepção, por exigir sempre um estado de espírito animado que nem sempre faz parte da realidade dos membros e leva a disseminação de artificialidade e superficialidade.

Outro fator de investigação é o interior ou o “coração” dos cristãos que, em grande parte parece dominado por insegurança, diante daquilo que deve ou não ser feito, e medo, pela possibilidade de perder a salvação oferecida por um Deus que aprendemos a internalizar e imaginar de maneira distorcida. Devemos acrescentar a essa “necessidade de fazer algo” a grande quantidade de programação da igreja e a distribuição de tarefas, que se tornam elementos capazes de gerar afastamento entre os crentes e suas famílias.

A possibilidade diagnóstica provável para explicar o motivo pelo qual os crentes têm se comportado dessa forma, é que o sentimento de medo (medo de errar, medo da ira divina, medo de Deus...) tem substituído o sentimento de amor como força motivadora do serviço cristão. Isso explica, também, o não engajamento em questões como política e economia e a dificuldade em dar espaço para a criatividade e o bom humor naquilo que fazem. 

O medo (que é diferente do temor à Deus, pois nos faz se esconder Dele) tem nos levado a “expor nossa alma” cada vez menos, também envolvidos pela ideia de que isso pode nos tornar menos amados, ou nos levar a ser castigados por Ele.

O medo de errar faz com que a criatividade seja inibida e leva ao afastamento da verdade sobre o “ser como sou”. Adotamos uma identidade artificial e alteramos verdades sobre nossa realidade. Mascaramos nossas emoções e não produzimos mudança real de comportamento.

Sob a ótica de Deus, devemos remover esse medo e desfrutar da graça, como filhos que Ele ama e com os quais se importa, e não simplesmente como servos que “temem” seu Senhor e que “devem” cumprir suas ordens (muito parecido com o modelo da Lei de Moisés). Isso fica claro a partir das promessas de paz, descanso e alívio oferecidas por Jesus aos que abraçaram a fé.

Parte do nosso problema é causada pela dificuldade em compreender a verdade a respeito de nossa própria natureza simultaneamente justa e pecadora. Diversos trechos das Escrituras trazem o exemplo do próprio apóstolo Paulo que admitia, sem hesitar, suas falhas, ao mesmo tempo em que se apegava à justificação de Cristo. 

Infelizmente, muitos cristãos não percebem que, assim como na obra da salvação, é pela ação de Cristo que somos santificados e não por nós mesmos. Não deixamos de ser pecadores, influenciados pela natureza sujeita ao engano e as falhas.

Não há como garantir santificação e justificação apenas tentando observar rituais e leis. A fé em Jesus e o amor de Deus em nossas vidas é que vão nos fazer parar de “se esforçar para não errar” e começar a “tentar acertar”. A certeza de que temos um vínculo de amor firme e incondicional com Deus é que pode nos levar a assumir nossos sentimentos e duvidas diante Dele, sem medo de que isso nos afaste ou leve a algum tipo de punição. 

Para desfrutarmos verdadeiramente desse amor, que é base da Nova Aliança, devemos abandonar a confiança nas “obras da carne”. Tais atos podem nos levar a falsa ideia de que somos “menos pecadores” que outras pessoas. 

A partir do sacrifício de Jesus, somos feitos livres. Temos total liberdade para decidir o que fazer. O entendimento a respeito do Amor de Deus por nós nos leva a desenvolver um relacionamento de obediência, não mais movidos por obrigação, mas por voluntariedade. Se amamos a Deus verdadeiramente e recebemos o Espírito Santo, a obediência aos princípios de Deus será uma consequência natural desse relacionamento. Mesmo que erremos, ainda poderemos confiar no Amor de Deus para nos dizer que está tudo bem, sem precisarmos buscar formas extremas de atingir a purificação pelo pecado. Podemos nos alegrar! “Jesus transformou a água da purificação em vinho de festa”!

A ceia, também pode ser comentada como um momento que também foi afetado pela visão distorcida do medo. Interpreta-se a cerimônia, não como uma ocasião para nos lembrarmos de Jesus e sua morte que nos leva à salvação, mas para repararmos mais ainda em nossas falhas, defeitos e fracassos. A Palavra jamais estimula os crentes a não participarem da mesa, mas para tomarem cuidado com a forma de celebrar, esperando por nossos irmãos em Cristo e cuidando para que o real significado desse momento não se perca. “Examine-se, pois, o homem a si mesmo, e assim coma”!

Karl Heinz Kepler é formado em psicologia clínica pela PUC-SP e em teologia pela Faculdade Teológica Batista. É também jornalista e trabalha como editor da revista "Speak Up", Pastor e professor em seminários, Mestre em Teologia pela EST. Foi presidente do CPPC pelos últimos 8 anos. Editor da Bílbia de Estudo Conselheira para a Sociedade Bíblica do Brasil. Autor de "Aba Pai: Aprendendo com seu filho sobre o Pai do Céu" e "O Fascínio do dever para os cristãos" além de vários artigos para revistas e para o site do CPPC.

O Livro "Neuroses Eclesiásticas" está disponível na página do CPPC, no seguinte endereço: 

http://www.cppc.org.br/textos/Neuroses Eclesiasticas.pdf 

Boa Leitura!

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